“I put my heart and soul into my work, and I have lost my mind in the process.”
- Vincent Van Gogh
Depois de 5 anos fora dos palcos, Bo Burnham volta com tudo e não desilude.
A fazer comédia desde os 16 anos, o comediante sempre foi um grande nome na Internet. Rapidamente consolidou a sua carreira, apesar de não se inserir no típico stand up comedy, pois tem uma forte componente musical e teatral.
Após três espetáculos a solo, dois deles disponíveis na Netflix, Burnham deixou os palcos devido a motivos de saúde mental, que se agravaram com o projeto “Make Happy”, que contou com cerca de 100 espetáculos e lhe causaram graves ataques de pânico em plena atuação.
Mas durante esses cinco anos o comediante decidiu focar-se na sua carreira enquanto ator com a sua aparição em “Girls Night”, “The Big Sick”, ou mesmo como segundo protagonista em “Promising Young Girl”, mas também na sua vertente de realizador e roteirista, com “Eighth Grade”, que chegou a ratings de 99% no Rotting Tomatoes.
Em 2020, quando finalmente decide voltar aos palcos, começa a série de confinamentos impostos pela Covid-19, que o leva a desenvolver o projeto “Inside” completamente sozinho.
Ao longo do especial, vai mostrando o seu trabalho por detrás das câmaras, a brincar com luzes, mas, ao mesmo tempo, é possível ver a sua degradação física que o projeto e a situação pandémica podem ter causado.
A segunda canção, Comedy, nomeada para o Emmy de Outstanding Original Music And Lyrics - 2021 aborda as temáticas atuais mais proeminentes, brincando com o facto de o mundo à nossa volta estar coberto de tragédias ao ponto de ser impossível fazer comédia com isso, mas que é precisamente isso que o vai ajudar a mudar o mundo - “Healing the world with comedy/ making a literal difference, metaphorically”. Enquanto homem branco americano, que usufrui de certos privilégios, usa a sua voz e o seu talento (como comediante) para o “bem” - mesmo sendo pago e o centro das atenções, como diz.
“American white guys, we’ve had the floor for at least 400 years/ so maybe I should just shut the f*** up” [long pause] “I’m bored”… “I don’t wanna do that”.
Apesar da temática continuar a ser séria, a comédia visual também está presente ao longo do vídeo através de elementos cómicos básicos, para um riso fácil. Afinal, acaba por ser necessária uma espécie de abstração dos problemas à nossa volta, mas sem nunca descorar a sua gravidade.
"That is How the World Works" começa com uma introdução suave, como que a explicar a uma criança como o mundo se interliga e apenas funciona se tudo trabalhar em conjunto. Quando se junta a personagem Socko (uma meia), parece que continua no mesmo registo infantil, mas a verdade é que se deu uma transição sombria - “Don’t you know the world is built with blood/ And genocide and exploitation”. Numa representação da classe privilegiada que tenta ajudar os grupos marginalizados para parecer bem aos olhos da sociedade, Bo pergunta como pode ajudar e Socko responde que é exaustivo ver pessoas a transformarem todos os conflitos socio-políticos em meios de tornarem as problemáticas sobre si mesmas em vez de ajudarem. Como resposta, Burnham relembra que a meia está nas suas mãos e que, no final de contas, é ele quem manda. Uma excelente crítica aos que fingem ser ativistas pelos direitos humanos, até os efeitos deixarem de os beneficiar.
Em "Problematic", Burnham tenta redimir-se de tudo o que alguma vez disse e fez que possa ter sido ofensivo. Primeiro tenta usar o facto de ter crescido num meio privilegiado, mas rapidamente admite que não há desculpas. Ele sabe o que fez e disse, não pretende apagar o passado, porque sabe que foi necessário para a aprendizagem e para o seu desenvolvimento enquanto pessoa e comediante, mas também sabe que é necessário salientar que estava errado com ofensas gratuitas.
A primeira parte acaba e há uma mudança no tom do conteúdo.
Apesar de ser séria, a primeira parte é muito mais leve e alegre, virada para a comédia simples. Mas na segunda, são explorados lados mais melancólicos e tristes da existência humana e da experiência pessoal de Bo. Desenvolvendo temas como o modo de vida completamente controlado pela Internet e pelo Silicon Valley, mas também a sua ansiedade e as dificuldades em relação à saúde mental que enfrentou e ainda enfrenta, e o envelhecimento.
"Welcome to the Internet", um grande êxito nas redes sociais, começa com um fundo escuro, só com Bo, um piano e um foco. Assemelha-se a uma situação de persuasão, neste caso, de uma pessoa a iniciar o contacto com a Internet, ao dizer que tem tudo o que procuramos e mais alguma coisa. O zoom acentua-se na cara, o ritmo acelera e há uma espécie de sensação de sufoco e de observação. A Internet dá-nos tudo a toda a hora, mas tem-nos quase como reféns do conteúdo e do data. Numa espécie de ponte há uma comparação com o que este fenómeno era no momento em que apareceu. Havia catálogos, blogs de viagens e alguns chats. Mas evoluiu para os insaciáveis que começaram a ter acesso à web desde bebés - sempre foi o plano por o mundo nas nossas mãos. E aqui surge o riso maléfico de quem controla as mentes.
Estão subentendidos, e por vezes mesmo explícitos, os efeitos nocivos da Internet. Há de tudo, desde pessoas que só querem ver as notícias e lutar pelos direitos humanos, até imagens pornográficas não solicitadas, crimes de ódio e terrorismo, sem qualquer controlo. No meio de tanto ruído que só serve para passar o tempo, como quizzs parvos, receitas, etc., há a propagação de teorias da conspiração ou incitamentos à violência.
A forma como Bo Burnham envolve tudo numa mistura caótica entre o inofensivo e o perigoso, acaba por refletir bem a experiência das gerações que tiveram o cérebro totalmente formatado por este fenómeno.
Numa mistura de formatos e conteúdos, o comediante, mais do que nunca, conseguiu uma obra de arte. Segundo as palavras de Pheobe Waller-Bridge, é necessário “desarmar a audiência com comédia, e em seguida atingi-la com um murro na barriga com drama, quando menos esperarem”. Desconstruindo o sistema corrupto, injusto e prejudicial em que a sociedade assenta, cavando as profundezas do seu ser e expondo-as ao mundo, enquanto, pelo meio, tem momentos de pura comédia, as emoções do espectador são postas à prova e levadas a extremos de um momento para o outro.
Sobre a autora:
Marta Gil, 21 anos. Coimbra.
Estudante de Relações Internacionais na Universidade de Coimbra.
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