
Os avanços tecnológicos e a popularidade das redes sociais têm incentivado cada vez mais jovens a seguir formas de ativismo digital e a utilizar estas plataformas de comunicação para organizar protestos offline (Ozkula, 2021). O presente ensaio procura analisar de que forma os jovens têm utilizado as plataformas de redes sociais, destacadamente, o Tiktok, no ativismo pró-Palestina, e que consequências é que este envolvimento tem tido offline, principalmente nas relações da opinião pública com os policymakers e as formas de media tradicionais. Na opinião pública, procura-se também perceber como o algoritmo do Tiktok constrói perceções sobre a máquina de guerra israelita e como este facto se relaciona com os protestos em favor de um cessar-fogo e a libertação do povo palestiniano, maioritariamente realizados por jovens (Hermant & Kent, 2023).
O conflito Israelo-Palestiniano começou no século XX, com o estabelecimento do Estado de Israel num território historicamente contestado, que levou ao deslocamento de grande parte do povo palestiniano, vários ciclos de violência e à criação de grupos de resistência, mais notavelmente, o Hamas (Kokeyo, 2023). Contudo, nos últimos 4 anos têm-se assistido a um crescimento da violência e das hostilidades entre as duas partes, que culminou numa cruel invasão do território palestiniano a 7 de outubro de 2023 e na morte de milhares de civis inocentes (idem).
As reportagens nos media tradicionais ocidentais sobre este conflito têm sido consistentemente enviesadas para favorecer Israel, deixando detalhes importantes de fora, como os ataques do exército israelita contra jornalistas e a ocultação de detalhes sobre as vítimas serem maioritariamente mulheres e crianças, e destacando as vítimas e os reféns israelitas, um número bastante inferior às palestinianas (Ali & Johnson, 2024). Esta narrativa incentivou vários protestos, principalmente nos países que apoiam Israel, como os Estados europeus e os Estados Unidos da América (EUA), e levou jovens a manifestar desagrado nas redes sociais (Başaran, 2024).
As teorias de movimentos sociais procuram desmantelar e avaliar estes fenómenos sociais, de modo a compreender o seu aparecimento, como estes agem cultural e emocionalmente, e a relação dos atores envolvidos e das suas interações (Jasper, 2010). O uso de ativismo político não é incomum na história, tendo grande significado principalmente contra regimes opressores e sistemas injustos. Contudo, o período após os anos 60 tem sido marcado por um acrescido interesse na área dos movimentos sociais, destacando os protestos contra a Guerra do Vietname nos Estados Unidos da América e, mais tarde, na Europa (Millward & Takhar, 2019).
Apesar da teoria inicialmente se aplicar aos movimentos sociais clássicos, recentemente, com a popularização da Internet, tem-se adaptado a táticas on-line, tendo em conta a “comunicação rápida, alcance [populacional] amplo, e a mobilização ampla” (Earl & Schussman, 2002). Este novo campo de movimentos sociais mostrou-se capaz de influenciar tomadas de decisões, mas também trouxe novas preocupações políticas, uma vez que a liderança tornou-se menos limitada e perdeu importância (idem). Assim, esta teoria de movimentos sociais tem grande pertinência para uma análise do papel das redes sociais no ativismo pró-palestiniano porque considera “estruturas de mobilização, oportunidades políticas, o enquadramento e os resultados”, de forma a perceber a melhor utilização de recursos e de relação entre estes elementos (Tilly, 2003).
A utilização das redes sociais no conflito Israelo-Palestiniano, destacadamente, no uso do Tiktok, tem sido fundamental para ativistas combaterem a islamofobia na comunidade e influenciar apoio para o movimento de libertação da Palestina, desmantelando a desinformação e a propaganda israelita (Shankar et al., 2023). Este recurso das redes existia antes da recente escalada de violência, com a publicação de vídeos do quotidiano por parte dos residentes da Palestina (Awwad & Toyama, 2024; Steffenhagen, 2021). O uso das redes sociais permitiu, desde o início do século XXI, aos cidadãos palestinianos a capacidade de transmitirem notícias e assuntos políticos, económicos e sociais, sendo apenas necessário o recurso a um telemóvel e à internet, e com a possibilidade de alcançarem uma audiência mundial (Horoub, 2023). Atualmente, este ‘jornalismo individual’ tem beneficiado da diminuição da confiança nos media tradicionais e nas informações oficiais dos governos que apoiam Israel (idem), assim como na crescente empatia para com o povo palestiniano, perante as imagens e vídeos partilhados de sofrimento, os números de deslocados, feridos e mortos, principalmente mulheres e crianças, e a destruição de infraestruturas (Buheji et al., 2024).
A forma como os conteúdos produzidos na rede social Tiktok são visualizados e recebem interação depende do algoritmo. Este algoritmo diferencia-se do prévio popular modo de ‘subscrição’ nas redes sociais, uma vez que processa o conteúdo produzido e dita como este é propagado para os utilizadores, dependendo de uma previsão do gosto individual e da interação recebida e a receber (Narayanan, 2023).
O uso da rede social Tiktok por parte de jovens ativistas, com o objetivo de mudar a perceção sobre o conflito, é notável pela quantidade de conteúdo pró-Palestiniano e pelo número de visualizações deste (Anders, 2023). Os vídeos partilhados contêm frequentemente apelos a um cessar-fogo e ao fim dos apoios militares para Israel (idem; Ramirez, 2024). Esta rede social é ideal para o ativismo pró-Palestiniano uma vez que é dominada por jovens dos 16 aos 24 anos e adultos dos 25 aos 44 anos, mais propícios a simpatizar com o povo palestiniano (Gibson, 2023; Jennings, 2023). A diferença geracional pode ser justificada por diferentes acontecimentos na história de Israel. Por um lado, as gerações mais velhas viram o estabelecimento do Estado de Israel e as lutas pela independência contra países vizinhos que eram grandes forças na região, destacadamente, o Egito (Ingram, 2023). Por outro, as gerações mais novas assistem a este conflito noutra ótica: ciclos de violência por parte de uma potência nuclear (Israel), com apoios de outras máquinas de guerra (como os EUA), que tem restringindo a liberdade de circulação do povo palestiniano, tanto na Cisjordânia como na Faixa de Gaza, e negado acesso a bens essenciais e a julgamentos justos, atacando de forma contínua um povo com significativamente menos poder (idem; Vinall, 2023).
Uma componente essencial deste ativismo no Tiktok, resultado da empatia de quem publica e/ou partilha os vídeos, é a pressão para a advocacia e os protestos a favor do cessar-fogo. O artigo de Kaur (2024) argumenta que muitos utilizadores do Tiktok (e outras redes sociais) mantém a atenção do público na Faixa de Gaza e na pressão política para acabar com o conflito e procurar uma resolução pacífica à contínua violência contra o povo palestiniano. Parte desta pressão política nos Estados Unidos da América existe devido a movimentos de contacto contínuo com políticos eleitos, senadores e representantes, que procuram pressionar a Administração do Presidente Joe Biden a determinar que Israel aceite um cessar-fogo (Kelly, 2023).
Particularmente, nos EUA popularizaram-se protestos em campus universitários, para além de demonstrações na rua e vigílias (Ulfelder, 2024). Estas manifestações são raramente violentas, e as mensagens focam a atenção na libertação do povo palestiniano em vez da violência contra a população judaica e israelita (idem). O uso das redes sociais e a partilha de vídeos no Tiktok tem inspirado estudantes de várias outras regiões a também protestarem de forma semelhante, com as mesmas mensagens e o objetivo de pressionar o cessar-fogo (Başaran, 2024).
Por outro lado, existem desafios a esta forma de ativismo nas redes sociais. Notavelmente, existem esforços por parte de senadores dos EUA, tanto republicanos como democratas, que procuram banir a aplicação Tiktok por incentivar propaganda política manipuladora contra os EUA e os seus aliados, assim como a divulgação de desinformação por parte dos utilizadores (Anders, 2023). Também se deve considerar a retaliação de Israel, com a propagação de anúncios nos primeiros meses da invasão em redes sociais, com recursos a imagens gráficas, vídeos violentos e mensagens exaltadas (Jennings, 2023).
Em resposta a estes desafios, têm surgido artigos e dados estatísticos que comprovam que o ativismo pró-Palestiniano é só em parte favorecido pelo algoritmo do Tiktok, pois na sua maioria deve-se ao facto de que os jovens utilizadores apoiam a Palestina. Ingram (2023) aponta como fatores deste apoio a influência de prévios movimentos (como o Black Lives Matter, em 2020), as políticas de direita do Primeiro-Ministro de Israel Benjamin Netanyahu, mudanças demográficas nos EUA, a conclusão das invasões no Iraque e Afeganistão, e os previamente mencionados vídeos e imagens partilhados pelos ‘jornalistas individuais’.
Em suma, o percurso do ativismo dos jovens, desde o entendimento e a interação com o algoritmo nas redes sociais, como o Tiktok, até às demonstrações e apelos por um cessar-fogo imediato, legitima esta nova forma de envolvimento político on-line. A título de exemplo, nos EUA, o tratamento da Administração Biden da questão Israel-Palestina poderá ter consequências nas futuras eleições, presenciando-se perda de apoio ao atual presidente democrata (Al Jazeera Staff, 2023; Vergara, 2023). Este novo modelo de ativismo pode marcar o futuro do Intervencionismo Global e na mobilização de apoio para futuros movimentos políticos, liderados pelas gerações mais novas.
Referências Bibliográficas
Al Jazeera Staff. (2023, novembro 9). Former Biden campaign staffers call for Israel-Hamas ceasefire. Al Jazeera. https://www.aljazeera.com/news/2023/11/9/former-biden-campaign-staffers-call-for-israel-hamas-ceasefire
Ali, O., & Johnson, A. (2024, janeiro 9). Coverage of Gaza War in the New York Times and Other Major Newspapers Heavily Favored Israel, Analysis Shows. The Intercept. https://theintercept.com/2024/01/09/newspapers-israel-palestine-bias-new-york-times/
Anders, C. (2023, novembro 29). Analysis | Young people support Gazans. Critics blame TikTok. Washington Post. https://www.washingtonpost.com/politics/2023/11/29/young-people-support-palestine-critics-blame-tiktok/
Awwad, G., & Toyama, K. (2024). Digital Repression in Palestine. Proceedings of the CHI Conference on Human Factors in Computing Systems, 1–15. https://doi.org/10.1145/3613904.3642422
Başaran, E. (2024, 05). ‘Biggest student movement of 21st century’: Pro-Palestinian protests spread across global campuses. AA. https://www.aa.com.tr/en/world/-biggest-student-movement-of-21st-century-pro-palestinian-protests-spread-across-global-campuses/3215689
Buheji, M., Mushimiyimana, E., & Ahmed, D. (2024). Empathic Engagement with Gaza: Dynamics, Impact, and Prospects. International Journal of Management, 15(1), 132–156. https://doi.org/10.17605/OSF.IO/GWZKE
Earl, J., & Schussman, A. (2002). The new site of activism: On-line organizations, movement entrepreneurs, and the changing location of social movement decision making. Em P. G. Coy (Ed.), Consensus Decision Making, Northern Ireland and Indigenous Movements (Vol. 24, pp. 155–187). Emerald Group Publishing Limited. https://doi.org/10.1016/S0163-786X(03)80024-1
Gibson, B. (2023, novembro 16). The generational divide over Israel and Palestine is widening. POLITICO. https://www.politico.com/news/2023/11/16/israel-palestine-quinnipiac-poll-00127726
Hermant, N., & Kent, L. (2023, novembro 24). Hundreds of high school students break the rules in walkout for pro-Palestine protest. ABC News. https://www.abc.net.au/news/2023-11-24/students-walk-out-of-school-in-strike-for-palestine-730/103141070
Horoub, I. (2023). Understanding media empowerment: Citizen journalism in Palestine. Humanities and Social Sciences Communications, 10(1), 1–10. https://doi.org/10.1057/s41599-023-01526-z
Ingram, D. (2023, novembro 19). Is it TikTok? Here’s why some young Americans sympathize with Palestinians. NBC News. https://www.nbcnews.com/tech/internet/tiktok-s-young-americans-sympathize-palestinians-rcna124476
Jasper, J. M. (2010). Social Movement Theory Today: Toward a Theory of Action? Sociology Compass, 4(11), 965–976. https://doi.org/10.1111/j.1751-9020.2010.00329.x
Jennings, R. (2023, dezembro 13). TikTok isn’t creating false support for Palestine. It’s just reflecting what’s already there. Vox. https://www.vox.com/culture/23997305/tiktok-palestine-israel-gaza-war
Kaur, H. (2024, janeiro 19). Violence in Gaza turned these everyday Palestinians into chroniclers of war. CNN. https://www.cnn.com/2024/01/19/world/palestinians-x-tiktok-instagram-gaza-cec/index.html
Kelly, H. (2023, novembro 22). Struggling to reach lawmakers about Gaza, Americans try faxing. Washington Post. https://www.washingtonpost.com/technology/2023/11/22/fax-congress-israel-gaza/
Kokeyo, A. (2023). Exploring the dynamics of Social Media in shaping narratives and perceptions in the israeli-palestinian conflict: Preliminary reflections. African Journal of Emerging Issues, 5(17), Artigo 17.
Millward, P., & Takhar, S. (2019). Social Movements, Collective Action and Activism. Sociology, 53(3), NP1–NP12. https://doi.org/10.1177/0038038518817287
Narayanan, A. (2023, março 9). Understanding Social Media Recommendation Algorithms. Knight First Amendment Institute at Columbia University. http://knightcolumbia.org/content/understanding-social-media-recommendation-algorithms
Ozkula, S. M. (2021). What is digital activism anyway? Social constructions of the “digital” in contemporary activism. Journal of Digital Social Research, 3(3), Artigo 3. https://doi.org/10.33621/jdsr.v3i3.44
Ramirez, N. M. (2024, maio 6). Lawmakers Admit They Want to Ban TikTok Over Pro-Palestinian Content. Rolling Stone. https://www.rollingstone.com/politics/politics-news/lawmakers-tiktok-ban-pro-palestinian-content-1235016101/
Shankar, P., Dixit, P., & Siddiqui, U. (2023, outubro 24). Are social media giants censoring pro-Palestine voices amid Israel’s war? Al Jazeera. https://www.aljazeera.com/features/2023/10/24/shadowbanning-are-social-media-giants-censoring-pro-palestine-voices
Steffenhagen, M. (2021, dezembro 14). Young Palestinians Are Grappling With Social Media Fame. Teen Vogue. https://www.teenvogue.com/story/palestinian-youth-social-media
Tilly, C. (2003). Foreword. Em Q. Wiktorowicz (Ed.), Islamic Activism: A Social Movement Theory Approach. Indiana University Press.
Ulfelder. (2024, maio 10). Counting Crowds. Counting Crowds. https://countingcrowds.org/
Vergara, J. (2023, novembro 18). Youth in the U.S. Rise Up in Solidarity with Palestine. Left Voice. https://www.leftvoice.org/youth-in-the-us-rise-up-in-solidarity-with-palestine/
Vinall, F. (2023, dezembro 23). Young Americans are more pro-Palestinian than their elders. Why? Washington Post. https://www.washingtonpost.com/world/2023/12/21/us-support-israel-palestine-poll/
Este ensaio foi escrito no âmbito do Mestrado em Relações Internacionais - Estudos da Paz, Segurança e Desenvolvimento, e apresentado ao Seminário de Intervencionismo Global.
Sobre a autora:

Joana Gomes, 22 anos, Aveiro.
Estudante de Relações Internacionais na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.
Comments